“Did they say why, Willard, why they want to terminate my command?” (Colonel Kurtz, “Apocalypse Now”)
18 de maio de 2017 e a ocorrência de (mais) um “Black Swan” no mercado
DIA 18 DE MAIO DE 2017 será lembrado como uma quinta-feira negra no mercado financeiro brasileiro. Até à véspera, o sentimento era de mal-contida euforia. Entre trancos e barrancos o governo de Michel Temer ia costurando apoio parlamentar para aprovar reformas. A da Previdência, a mais importante para o reequilíbrio das contas públicas, seria votada em uma semana. O Banco Central, encorajado pela baixa inflação e boas perspectivas de aprovação das reformas, sinalizava aceleração no corte de juros. Indicadores de atividade mostravam que a economia, mergulhada em crise há três anos, voltara a crescer no primeiro trimestre. Havia otimismo no ar. Até a crise que ameaçava outro governo, o de Trump, arrefecera naqueles dias.
A primeira nuvem nesse céu de brigadeiro apareceu um dia antes da fatídica data, pouco antes do encerramento do pregão, quando uma grande compra fez a moeda norte-americana subir quase 1%. O volume, um bilhão de dólares, chamou atenção por ser incomum num horário de baixa liquidez. Parecia alguém operando informação não pública. A informação não demorou a aparecer na forma de uma nota publicada pelo jornalista Lauro Jardim, do jornal O Globo, dando conta de uma gravação feita pelo empresário Joesley Batista. Joesley é alvo numa ação que investiga irregularidades e favorecimento por parte de bancos públicos – em particular o BNDES, sócio na empresa JBS pertencente ao conglomerado J&F, de Batista. A gravação continha uma conversa, gravada clandestinamente, entre o empresário e Michel Temer e fora oferecida ao Ministério Público como prova num acordo de delação. Já estava em poder do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF. Seu conteúdo permanecia em sigilo, mas Jardim revelara que, entre outras bombas, havia um aval do presidente à compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha, preso pela Lava Jato. Paralelamente, surgia a notícia de que um assessor de Temer fora filmado pela polícia recebendo propina de Batista. O presidente, que até então vinha conseguindo se esquivar de uma série de acusações, acabava de ser tragado ao centro da Lava Jato. As notícias rapidamente adquiriram dinâmica viral e, ao final da noite, comentaristas davam como certa a queda do governo e a paralisação das reformas. Nas bolsas estrangeiras, que operam 24h, ativos brasileiros derretiam mais de 10%. Operadores se preparavam para enfrentar caos na manhã seguinte.
O que ocorreu quando o mercado abriu na quinta-feira, porém, não correspondeu ao estereótipo popular de pânico financeiro. Não se viu ataque de nervos, tampouco vertiginosa montanha-russa de cotações. Ausentes as cenas de operadores histéricos, berrando ordens ao telefone diante de telas vertendo sangue. O que se viu foi mais amedrontador do que o clichê: preços congelados na tela, imóveis como um cervo diante de faróis. Negócios paralisados, ou saindo a conta-gotas. Circuit-breakers acionados, mantendo o mercado em suspenso à espera de alguma informação ou pronunciamento (que só viria no final da tarde).
Em tom exaltado que contrastou com seu padrão costumeiramente suave, Temer se negou à renúncia. Quando o conteúdo das gravações finalmente foi divulgado, logo após seu pronunciamento, o que se ouviu foi um diálogo entrecortado, cheio de ruído e inconclusivo sobre o suposto aval à compra de silêncio. Perícias indicavam adulterações grosseiras na gravação. “A montanha pariu um rato”, nas palavras do presidente. Confirmou-se a suspeita de que o Banco Original, braço financeiro da J&F, fora o comprador dos dólares na véspera. A operação rendeu perto de trezentos milhões de reais e virou alvo da CVM e Banco Central. Estupefato, o país soube que, enquanto o mercado derretia e a economia voltava à berlida, Joesley Batista acompanhava tudo de sua cobertura na Quinta Avenida, protegido por imunidade negociada com o Ministério Público. Em tempo recorde, o STF abriu investigação contra Temer. As reformas foram adiadas por tempo indefinido enquanto a base aliada decidia se mantinha o apoio ou forçava a renúncia do presidente. Movimentos sociais faziam manifestações, algumas violentas, em favor de eleições diretas (o que violaria a Constituição). Eleições hipotéticas às quais o ex-presidente Lula – também alvo da Lava Jato – prontamente anunciava sua candidatura.
O fundo Giant Zarathustra diante do dia 18 de maio de 2017
Nós, gestores do Zarathustra, aprendemos nosso ofício nas mesas de operação de algumas das maiores instituições financeiras internacionais, trabalhando em Mercados Emergentes ao longo de duas décadas em que não faltou turbulência. Trazemos na bagagem a experiência (e algumas cicatrizes) de inúmeras crises financeiras. Grande parte da nossa formação foi em precificação e operação de instrumentos derivativos “não-lineares”, como contratos de opções. Essa formação incutiu profundamente em nós dois princípios fundamentais, que nos acompanham até hoje: um approach baseado em rigorosa análise quantitativa de dados, e um imenso respeito, quase obsessão, pela distribuição de retornos financeiros. Em particular, pelas assimetrias e “caudas grossas” (popularizadas como Black Swans) que caracterizam o comportamento probabilístico de ativos financeiros. Um dos nossos objetivos principais sempre foi o de construir uma carteira que, no jargão de opções, fosse convexa – isto é, cujas grandes variações fossem positivas. Temos orgulho de ter alcançado esse objetivo ao longo de cinco anos gerindo a estratégia Zarathustra. No evento do dia 18, porém, o fundo sofreu uma grande variação negativa. O que aconteceu?
É certo que tal evento tenha sido comparável, em violência e magnitude das perdas, somente às grandes crises das últimas décadas: a quebra da Lehman Brothers em 2008, as eleições em 2002, a maxi-desvalorização de 1999 (a perda sofrida pelo fundo EWZ chegou a oito desvios padrão – se a distribuição fosse normal, um evento esperado uma vez a cada bilhão de anos). Culpar o mau comportamento do mercado, no entanto, seria fugir de nossa responsabilidade como gestores. Afinal, sabemos que os mercados se comportam mal e, até quinta-feira, sempre conseguimos navegar bem pelos períodos de turbulência. Para entender o que ocorreu diferente dessa vez, se faz necessária uma pequena digressão sobre a mecânica dos modelos de tendência.
Primeiramente, observar que esses modelos têm convexidade altamente positiva no início do trade, quando estão, por assim dizer, “lançando anzóis” em busca do próximo grande movimento direcional de preços. A tentativa de fisgar um “marlim azul” produz, inicialmente, grande quantidade de bagres ou sinais de tendência espúrios. Os bagres são rapidamente devolvidos ao mar numa dinâmica que produz frequentes pequenas perdas. Vez por outra um marlim morde a isca e ocorre uma sequência de grandes ganhos: convexidade positiva. Não raro, o peixão aparece justamente no momento em que a volatilidade muda de patamar. É esta característica que dá aos (bons) modelos de tendência a capacidade de gerar ganhos em mercados voláteis, quando outros ativos e estratégias sofrem as piores perdas. Também nesta fase, quando a tendência é de queda de preços, os retornos são descorrelacionados do mercado. Na etapa final, porém, a convexidade se inverte: a eventual reversão da tendência deflagrará a saída da posição e um drawdown – isto é, uma grande perda que consumirá parte do ganho acumulado ao longo da vida do trade. É claro que esse momento é desconhecido, ou o evitaríamos. Nossos testes indicam que a estratégia ótima não é tentar antecipá-lo, mas ir até o fim na tendência. A perda na saída é aceitável, pois geralmente ocorre na esteira de uma longa sequência de ganhos. Somadas perdas e ganhos, o saldo costuma ser fortemente positivo, tanto em termos de resultado quanto convexidade.
O segundo ponto a ser entendido é o efeito dos “gaps” – pulos ou descontinuidades na série de preços – sobre os modelos de tendência. Gaps criam o risco de que se seja forçado a negociar o ativo a níveis significativamente piores do que pretendido. Este risco é crítico quando se quer sair de uma posição, seja para tomar lucro ou zerá-la. Quanto maior o gap, menor o ganho (ou maior a perda) e mais negativa a convexidade. Gaps são parte da vida e seus custos são estimados e incorporados aos modelos via backtests com dados históricos.
Às vésperas da fatídica quinta-feira os modelos de tendência do Zarathustra acumulavam significativo ganho e estavam bastante posicionados. Um drawdown era esperado, eventualmente, mas o colchão de ganho era bastante grande e, de qualquer forma, a tendência se mantinha forte graças à sinalização do Banco Central. Não havia sinal de reversão iminente e, talvez por isso, havia certa complacência no mercado. Quando ocorreu o drawdown, no dia seguinte, veio com um gigantesco gap que consumiu todo ganho acumulado e deixou a convexidade do fundo fortemente negativa no ano (cabe notar que vários modelos desempenharam positivamente na quinta-feira, porém em magnitude muito inferior à perda dos modelos de tendência).
A magnitude e violência da disrupção do mercado superou o que havíamos visto em séries históricas mas, para qualquer um escolado em Black Swans, isso não constitui surpresa. Os dados que observamos são apenas algumas realizações de um processo subjacente desconhecido (cuja distribuição, podemos apenas inferir). Embora nossas posições estivessem dentro dos limites de risco estabelecidos, à luz do que ocorreu ficou evidente que algumas estavam superdimensionadas. Um procedimento que contribuiu para isso e exacerbou o drawdown, devido à mecânica explicada acima, foi o aumento de posições em linha com o patrimônio do fundo, que cresceu nos últimos meses.
Houve também pontos positivos. Os modelos operam ativos líquidos – nada de vértices longos da curva de juros, por exemplo. Isso significou que, mesmo com o mercado de juros disfuncional por dias após o choque, foi possível zerar posições sem grande dificuldade. As regras internas de risco, que impõem teto ao consumo de margem por cada modelo, também se mostraram adequadas para proteger o fundo de perdas excessivas, bem como evitar problemas de liquidez. O fundo devolveu os ganhos acumulados no ano mas, para a grande maioria dos investidores que entraram no último ano, houve pouca ou nenhuma perda de principal (investidores que estão há mais tempo continuam confortavelmente acima da linha do CDI). Tiramos lições, procedemos a uma rigorosa readequação de tamanhos e pesos relativos de cada modelo na carteira. Esperamos estar mais protegidos da próxima vez que um “cisne negro” riscar o céu-de-brigadeiro. Lições dolorosas, mas assimiladas.
Desempenho maio de 2017: Fundo Zarathustra
Em maio o Fundo Zarathustra FICFIM teve 9,39% de perda. Os modelos de tendência deram a maior contribuição para a perda. Já os modelos de volatilidade, ações e juros de cupom contribuíram positivamente no mês.
Veja os dados consolidados do fundo
A preocupação em deixar claro a nós, cotitas, os aprendizados e os planos de ação num período turbulento como este, passa a confiança de que nossos ativos estão em boas mãos. Parabéns a equipe Zarathustra pela transparência.