“É pau, é pedra, é o fim do caminho” (Águas de Março, Tom Jobim)
Aos cinéfilos, órfãos do grande cinema do passado, resta o consolo da boa safra de teledramaturgia que surgiu nos últimos anos na esteira do boom dos canais fechados e provedores de video-streaming. Empresas como HBO e Netflix popularizaram seriados com personagens complexas e narrativas sofisticadas, antes restritos a pequeno público. Dramas políticos como House of Cards, Boss, Wolf Hall, Borgias e outros conquistaram legiões de fãs retratando – com realismo inédito – intrigas, traições e crimes nos bastidores do poder. No mesmo rastro, ganharam popularidade obras que examinam as ligações entre a política tradicional e o submundo do crime: Tropa de Elite e Narcos, ambos do diretor brasileiro José Padilha, e The Wire pertencem a essa última categoria – que inclui ainda os dramas sobre famílias mafiosas, como a clássica trilogia The Godfather e a aclamada série The Sopranos. Graças à grande expansão nos canais de difusão de conteúdo digital, esse banquete de drama político-policial está ao alcance de qualquer pessoa com acesso à internet.
Mais estranho que a ficção…
Causa certo espanto, então, que fãs do gênero no Brasil estejam hoje dispensando ficção. Explica-se: a ficção empalidece diante da realidade que se desenrola, ao vivo e a cores, diariamente nos telejornais e páginas da imprensa brasileira. Operações policiais, manobras políticas, protestos de rua, revelações bombásticas e reviravoltas quase diuturnas de enredo compõem a rotina da política brasileira, um pot-pourri de gêneros que vai do político ao policial, com doses de court-room drama, pitadas de ópera-bufa e formato de reality show. Ostenta uma galeria de tipos tão medonha quanto pitoresca: a rainha de copas à beira de um ataque-de-nervos, gritando “É golpe! É golpe!”; o gênio-do-mal que, acossado pela lei, volta das trevas, qual morto-vivo, para salvar a própria pele; um estafeta trapalhão, incumbido de tenebrosas missões que sempre acabam mal; senhores soturnos em trajes escuros que transitam, há cem séculos, pelos corredores sombrios do poder; um fantasma que assombra os vivos com a lembrança de um crime terrível; até um fotogênico mocinho que, implacável em sua busca de justiça, tornou-se herói do público. Se o drama brasileiro assumiu ares reality político-policial, o mês de março foi, sem dúvida, seu clímax dramático.
Com a chegada de março teve fim estrepitoso a trégua que embalou Brasília durante o recesso de verão. O primeiro salvo veio com o vazamento da delação de Delcídio do Amaral, senador petista preso pela operação Lava Jato (ver carta de Novembro). Ao citar nominalmente a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luís Inácio (Lula) da Silva, a delação caiu como bomba sobre o já conflagrado cenário político brasileiro. Com perspectiva privilegiada de um membro do círculo interno do poder (foi líder do Senado no governo Dilma) e ex-diretor da Petrobrás, o senador expôs com requintes de detalhes as ligações entre o ex-presidente e o esquema de corrupção na estatal, asseverou que a presidente tinha plena ciência dos desvios – em particular, do pagamento de propina na malfadada aquisição da Refinaria de Pasadena em 2006 – e que tentou interferir na justiça para criar obstáculos à Operação Lava Jato. O episódio ganharia contornos de drama mafioso quando, dias depois, veio a público gravação em que o ministro Aloísio Mercadante oferecia “ajuda” à família do senador – no que parecia clara tentativa de compra de silêncio (ao melhor estilo Corleone e Soprano).
Ainda saía fumaça dos escombros quando, na manhã seguinte, o país foi surpreendido com outra bomba: a notícia de que o ex-presidente Lula fora conduzido à Polícia Federal para prestar depoimento a respeito de imóveis frequentados por sua família, luxuosamente decorados por empreiteiras envolvidas no esquema de corrupção da Petrobrás, mas cuja propriedade o ex-presidente terminantemente nega. Amparada em delações comprometedoras, evidências de ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro, a Operação Lava Jato parecia estar perigosamente perto de decretar prisão provisória do ex-presidente…
Na mesma semana houve grande manifestação pelo impeachment da presidente, pela punição ao ex-presidente e em apoio à operação Lava Jato. Mais de três milhões de pessoas foram às ruas protestar em todo Brasil – um milhão, somente em São Paulo (tamanha a aglomeração que, em certos trechos, era impossível se aproximar da Avenida Paulista). Com ampla adesão da sociedade, a manifestação do dia 13 de março entrou para os registros como a maior da história brasileira. Uma semana depois houve manifestações pró-governo que, pelas estimativas, reuniram cerca de 300 mil pessoas em todo Brasil.
O golpe de misericórdia
A tragédia começou a resvalar para farsa quando o governo reagiu nomeando o ex-presidente ministro da Casa Civil. Oficialmente, dizia estar convocando o ex-presidente à Esplanada pela sua decantada habilidade política. Pairavam suspeitas, porém, de que a nomeação não passava de tentativa de blindar o ex-presidente das investigações da Lava Jato, uma vez que o cargo de ministro tem a prerrogativa de foro privilegiado. Ministro, Lula só poderia ser julgado pelo STF – corte em que os processos costumam se arrastar e, alegam os críticos, o ex-presidente seria tratado com leniência. A suspeita pareceu corroborada por uma gravação feita pela Lava Jato e tornada pública pelo juíz Sérgio Moro na véspera da nomeação. Nela, a presidente comunica ao ex-presidente envio do termo de posse (a cargo de ministro) para que o ex-presidente “faça uso (dele) se precisar”. A interpretação cínica (e óbvia) é que o termo seria um salvo-conduto contra eventual mandado de prisão. Muitas outras gravações foram divulgadas. Além da profusão de obscenidades, insultos à magistratura e comentários machistas, revelaram relações, no mínimo, impróprias entre cidadãos privados e as instituições de Estado. Para os milhões que foram às ruas dias antes pedir justiça e punição aos corruptos, foi um tapa na cara. Houve nova onda de protestos e manifestações de lado a lado que, por pouco, não descambaram para corpo-a-corpo. No calor do embate o STF suspendeu a nomeação de Lula enquanto, no congresso, começava a tramitar o pedido de impeachment da presidente. O maior aliado do governo, PMDB, desembarcou do governo aos gritos de “fora PT!”, levantando esperanças de que o partido votaria unido a favor do impeachment. O PMDB sendo o PMDB, contudo, o desembarque foi apenas parcial – vários membros do partido permaneceram no ministério. Com isso, turvou-se a contabilidade de votos pelo impeachment e a probabilidade da abrir o processo, cuja votação deverá ocorrer em meados de abril. Caso o pedido seja aprovado na Câmara, caberá ao Senado a decisão final sobre a destituição da presidente.
A economia brasileira diante deste cenário
Os fatos econômicos novamente ficaram a reboque do torvelinho político mas, nem por isso, foram menos alarmantes. O IBGE divulgou a variação do PIB em 2015 de -3,8%. O número era esperado e já fora antecipado pelo Banco Central em fevereiro mas confirmou, oficialmente, a pior retração econômica desde 1990.
Outros destaques negativos ficaram por conta da alta na taxa de desemprego, para 8.2% (maior em 7 anos) a retração da atividade industrial, de 9.8% e a queda da arrecadação federal de 11.7% em relação ao mesmo período de 2015. O fraco resultado da arrecadação praticamente garante outro ano de descumprimento de meta fiscal. A solitária boa notícia foi a IPCA-15 que, a 0.43%, veio significativamente abaixo das expectativas.
Já o ministro da Fazenda Nelson Barbosa, essa quase esquecida mas ainda importante personagem, enviou proposta ao congresso pedindo redução da meta de superávit primário do governo de R$24 bilhões para R$2,8 bilhões. Com isso, déficit poderá chegar a R$96 bilhões (1,55% do PIB). A medida sugere que Barbosa cedeu às pressões do partido e “guinou à esquerda”. Alguns analistas estimam que, dado afrouxamento da meta e contração do PIB, dívida/PIB poderá chegar a 75% ainda em 2016.
Com toda a tensão política e continuada deterioração econômica, talvez surpreenda que o mercado tenha, em março, tido um mês fortemente positivo. O real se apreciou 10.5% contra o dólar e a bolsa cravou ganho de 17%. De fato, o mercado tem sido “otimista” (ou menos pessimista) desde que vislumbrou mudança de governo no horizonte próximo (ver carta de fevereiro). Ainda assim, a magnitude do movimento de março pegou muitos experientes gestores, que continuam pessimistas com as perspectivas da economia, no contra-pé. Vale observar que esse descompasso entre expectativas, baseada na percepção de fundamentos, e o efetivo comportamento dos mercados é mais comum do que se imagina e pode persistir por longos períodos. Modelos quantitativos, enquanto suscetíveis a erro como quaisquer outros, têm a grande vantagem (sobre gestores discricionários) de não terem vieses nem ficarem reféns de percepções descoladas da realidade. É interessante que os modelos do fundo Zarathustra captaram sinais de melhora há alguns meses, quando os fundamentos não autorizavam grande otimismo. Persistiram nessas posições quando muitos gestores, guiado por vieses de reversão à média, as teriam encerrado prematuramente.
Desempenho março de 2016: Fundo Giant Zarathustra
O fundo Giant Zarathustra rendeu +6.90% em março com quase todos os modelos apresentando resultado positivo. Os destaque foram os modelos de tendências de moeda, tendências de juros, volatilidade, distribuição extrema e intradiário de moeda.
Veja os dados consolidados do fundo