Carta aos Cotistas (1Q2020)

“You were given the choice between war and dishonour. You chose dishonour, and you will have war.”

Winston Churchill

Carta aos Cotistas

ESCREVENDO ESTAS MAL TRAÇADAS nos dias derradeiros do verão, confinado entre a pandemia global e o pandemônio dos mercados, não carece lembrar que, há apenas três meses, o futuro era alvissareiro.

Ora, 2020 seria o ano da grande virada da economia brasileira — o ano em que o país sairia, enfim, do atoleiro no qual patinou pelos últimos seis.

A reação da economia brasileira começou pra valer no segundo semestre de 2019, na esteira da aprovação da PEC da Previdência. Na virada do ano, a economia vinha embalada por uma vigorosa recuperação cíclica crescendo a uma taxa de 3%, na margem. Na Av. Faria Lima, principal hub financeiro do país, era palpável a euforia de jovens de colete e patinete. Vindas de mais um semestre de alta recorde na bolsa, assets transbordavam caixa e confiança inabalável. O metro quadrado das torres do “condado” (como é jocosamente apelidada a região) era disputado a peso de ouro com empresas de tecnologia, fintechs e start-ups — hiper capitalizadas por dinheiro fácil de investidores

Hélas! Como num filme B de ficção pós-apocalíptica, esse futuro virou fumaça num instante e o mundo, tal como era há três meses, parece hoje pertencer a um passado remoto (saudades do que não vivemos!).

Para que o leitor compreenda a magnitude do cataclisma, cabe uma breve retrospectiva: entre o início de 2016, quando o Brasil emergiu da crise política, e fevereiro de 2020, quando a bolsa americana atingiu sua máxima histórica, o índice Bovespa triplicou. Esse desempenho espetacular ocorreu numa trajetória quase ininterrupta, em que as correções foram poucas e esporádicas. Alto retorno e baixo risco (sharpe de 0,88 no período) agiram como um poderoso chamariz para atrair milhões de novos investidores ao mercado (a quantidade de pessoas físicas cadastradas na bolsa quase quadruplicou no período — é sintomático que esse tenha sido o aumento mais rápido desde 2008!).

Pegue esse bólido desgovernado e turbine com os seguintes aditivos:

  • grande influxo de dinheiro novo — sobretudo, de investidores novatos;
  • uma década de juros globais zero e juros locais também em acentuada queda, achatando o rendimento das tradicionais aplicações de renda fixa;
  • bull market global mais longo da história;
  • ascensão de um novo fenômeno, os “celebrity gestores”, com legiões de seguidores fiéis nas redes sociais;

…e têm-se uma situação de alto risco, extremamente vulnerável a acidentes de percurso.

Poderia ter sido uma derrapada, ou simples capotada, dessas que deixam o motorista zonzo e assustado mas inteiro. Quiseram os deuses do mercado, contudo, que fosse uma colisão frontal contra um muro a 300km/h.

“Fomos atingidos por um meteoro” declarou o ministro Paulo Guedes. Em termos de escala global e impacto econômico, a pandemia do coronavírus evoca comparação com o outro grande evento cataclísmico em memória recente, a Crise Financeira Global de 2008. Porém, em certas dimensões, é necessário recuar no tempo quase um século — à Grande Depressão de 1929-39 — para encontrar semelhante poder destrutivo (assim como é preciso recuar 100 anos até a última pandemia de extensão comparável). A vertiginosa queda do índice S&P 500 em março, um drawdown de 30% em 22 dias, foi a mais rápida da história e comparável, somente, às quedas nos piores momentos do crash nos anos 30. Da mesma forma, a explosão de 10 milhões de pedidos de auxílio-desemprego nos EUA — número sem precedente na história — e a destruição de mais de 700 mil empregos em março só encontram paralelo na Grande Depressão. No Brasil, a dimensão da tragédia econômica ainda não apareceu nas estatísticas, mas será similarmente tenebrosa. A pesquisa semanal do Banco Central mostra que as expectativas para o crescimento do PIB em 2020 desabaram de 2,30%, no início de fevereiro, para -0,48% no final de março.

Fonte: Relatório Focus (07/Fev. – 27/Mar.)
Expectativa do PIB dada pela mediana / Expectativa do IPCA atualizada pelos 5 dias úteis antecedentes.

Esta é quase certamente uma projeção otimista. Analistas financeiros estimam entre 1% e 5% de contração no PIB em 2020 com provável queda de dois dígitos no segundo trimestre. Ao forçar a paralisação de boa parte do setor produtivo, a crise deflagrou a mãe de todos os choques de oferta; por outro lado, a queda de renda, a explosão do desemprego e o colapso no investimento ocasionaram um monumental choque de demanda. O resultado líquido parece ser deflacionário. De fato, a inflação de 2020, antes projetada em 3,20% na pesquisa do Banco Central, foi revisada para 2,67% no final de março, enquanto os títulos indexados ao IPCA embutem uma inflação implícita inferior a 2% entre hoje e agosto de 2021.

O epicentro da crise de 2008 foi o sistema financeiro e, uma vez sanados os bancos via maciça injeção de dinheiro público, a deterioração econômica foi estancada. Graças a estímulos monetários e fiscais, houve uma recuperação robusta. Esta crise é diferente. A fim de evitar uma saturação calamitosa do sistema de saúde, impõe-se “achatar” a curva de propagação da doença — o que requer colocar a economia numa espécie de coma induzido. Mas, mantida em coma indefinidamente, a economia definhará e morrerá. Testagem maciça combinada a isolamento social — como implementados na China, Coreia do Sul, Singapura e outros países asiáticos — têm eficácia rápida e comprovada. Nesses países, que se beneficiaram das lições aprendidas na epidemia de febre aviária de 2013, a epidemia do coronavírus foi controlada em algumas semanas e a economia pôde ser reativada com baixa perda. Sem a experiência adquirida em epidemias anteriores, ou os poderes ditatoriais do Partido Comunista Chinês, porém, governos ocidentais têm tido pouco êxito em replicar o sucesso asiático e controlar suas próprias epidemias. Em muitos desses países, a economia permanece em coma e mantida viva artificialmente somente graças a vastos pacotes de ajuda governamentais. Diante da queda livre nas receitas, empresas se veem obrigadas a cortar custos — sobretudo, via demissões. Em tempos de receitas em queda e crédito escasso, caixa é o ativo mais precioso.

Antes mesmo de a epidemia assumir proporção dramática nos EUA, o FED havia zerado os juros. Uma semana depois, o congresso americano aprovou o maior pacote de ajuda financeira da história, US$2 trilhões, 10% do PIB. Também no Brasil o congresso aprovou um pacote de ajuda financeira de R$780 bilhões, próximo a 10% do PIB, e o Banco Central brasileiro cortou juros, embora de forma tímida. De fato, o Banco Central pareceu inicialmente preocupado em conter a desvalorização do real, intervindo com mão pesada sempre que a desvalorização diária se tornasse acentuada.

Fonte: Giant Steps Capital

A preocupação em não exacerbar a desvalorização cambial parece ter sido um fator na timidez da resposta da política monetária. Seja como for, os juros de curto prazo caíram e a curva se tornou mais íngreme, sinalizando que o mercado vê deterioração fiscal à frente. O mercado projeta mais cortes — há dúvida apenas se em modo gradualista ou agressivo. No Brasil como nos EUA, governos enfrentam dificuldade em fazer o dinheiro chegar aos mais necessitados. Haverá uma onda de delinquência corporativa que assusta bancos que, por sua vez, sobem juros e cortam crédito.

Nos últimos dez anos, o mercado global passou por uma série de crises — dívida dos países periféricos europeus, taper tantrum, desvalorização do yuan chinês, guerra comercial, etc — todas elas superadas relativamente rápido. Esse padrão criou um senso de invulnerabilidade que pavimentou o caminho para a mentalidade de que o mercado sobe inexoravelmente, e toda queda é uma oportunidade (estratégia encapsulada no bordão “buy the dips”).

Performance do fundo Zarathustra FICFIM

O fundo Zarathustra FICFIM teve retorno de 5,39% (533% do CDI no período) no primeiro trimestre de 2020.

O excelente desempenho alcançado pelo fundo Zarathustra, num trimestre em que os mercados sofreram quedas históricas e a volatilidade implícita (VIX) atingiu o nível mais alto da história, impondo perdas catastróficas a muitos investidores, pode ser atribuído, sobretudo, a quatro linhas mestras que orientam a gestão do fundo:

  1. construção de uma carteira de estratégias diversificadas, capaz de gerar “alpha” (retornos excedentes descorrelacionados) mesmo em ambiente de alta volatilidade, quando correlações tendem a colar em 1;
  2. operar ativos líquidos;
  3. reduzir risco agressivamente quando a volatilidade sobe (que requer o item 2);
  4. existência de uma estratégia de opções desenhada para proteger a carteira contra riscos de cauda;

São quatro fatores conceitualmente simples, mas que requerem análise, artifício arte para a correta implementação.

         

Performance do fundo Sigma FICFIM

Os fundos Sigma e seu espelho de menor volatilidade Axis fecharam o primeiro trimestre do ano com rendimento de -0,18% e 0,47%, respectivamente. A estratégia (que é comum aos dois fundos) estava posicionada defensivamente desde o final de 2019, com alocação de risco reduzida e posição comprada em dólar. Tal posicionamento foi intensificado ao longo de março, o que mitigou — mas não eliminou completamente — as perdas na esteira das fortes quedas de bolsas e commodities globais. Esse comportamento é esperado para o fundo num ambiente de fortes quedas de mercado. Entretanto, a redução agressiva de risco protege o fundo de grandes perdas, ao mesmo tempo que abre espaço para o aumento de posições quando as condições de mercado se normalizarem. As maiores perdas vieram de bolsas e commodities; os destaques positivos foram nas posições aplicadas em juros globais e compradas dólar.

Por Jorge Larangeira – Acompanhe mais análises pelo twitter @JorgeLarangeir1

Referências:

  1. https://edition.cnn.com/2020/03/11/investing/bear-market-stocks-recession/index.html
  2. https://oglobo.globo.com/economia/fomos-atingidos-por-um-meteoro-diz-paulo-guedes-sobre-pandemia-do-coronavirus-24336352
  3. https://www.bcb.gov.br/publicacoes/focus
  4. https://www.nytimes.com/2020/02/03/world/asia/china-coronavirus-beijing.html?searchResultPosition=6

0 thoughts on “Carta aos Cotistas (1Q2020)

  1. David Abadi says:

    Excelente carta !
    Parabéns pela performance , oriunda de inteligência de mercado diferenciada , descorrelacionada e original !
    Parabéns !

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