Carta aos Cotistas – O que Faz um Gestor Ser Ganhador?

Em 2024, completarei quinze anos trabalhando com gestores profissionais. Comecei de forma indireta, como um prestador de serviço, desenvolvendo softwares para suportar a tomada de decisão de gestores. Com o passar do tempo, decidi me tornar um também.

Ao longo dos anos, ouvi repetidamente a mesma frase: “Esse gestor é ganhador.”. Quem está inserido no mercado certamente está familiarizado com ela, mas, na prática, o que isso significa? O que faz um gestor ser “ganhador?”. É sua capacidade de fazer grandes apostas e ter o estômago necessário para conseguir dormir à noite? É sua consistência e disciplina necessárias para fazer inúmeras apostas corretas? Nesta carta, gostaria de elaborar uma resposta exata para essa pergunta, para que o leitor possa analisar cada gestor que investe e entender por que faz sentido investir nele. Ou não

O interesse nessa pergunta não é exclusivamente meu. Saber identificar as características que tornam um gestor vencedor é uma habilidade extremamente útil para qualquer pessoa interessada em investimentos. Alocadores profissionais, por exemplo, saberiam precisamente quais gestores são vencedores, e quais apenas deram sorte. Aliás, existem pessoas que até hoje não acreditam que seja possível ganhar do mercado a longo prazo (vide Taleb), mas esse é um assunto para outra carta. Nesta, assumiremos que é possível ganhar consistentemente do mercado, como alguns gestores fazem há décadas, ainda que não seja simples e não sejam muitos.

Uma das respostas mais úteis para essa pergunta veio no formato de uma fórmula, publicada em 1989 por um pesquisador chamado Richard Grinold. Em 2001, Roger Clarke, Harindra de Silva e Steven Thorley, expandiram a lei de Grinold, dando origem à Lei Fundamental da Gestão Ativa em sua forma mais completa. A fórmula é a seguinte:

IR = Information Ratio
IC = Information Coefficient
BR = Breadth
TC = Transfer Coefficient

Apesar de simples, a fórmula contém insights valiosíssimos e, de quebra, traz um framework de como analisar e selecionar gestores. A fórmula possui 4 variáveis. Vou destrinchar os 4 e explicar como eu a usaria para analisar um gestor.

IR – O resultado
O Information Ratio se refere ao resultado ativo de um gestor, comparado a um benchmark qualquer. Ele é calculado através da razão entre a média dos alphas gerados e o desvio padrão destes alphas. Em outras palavras, o IR representa a quantidade adicional de retorno que o gestor é capaz de criar, por unidade de aumento no risco. Aqui simplificaremos o IR para: a capacidade do gestor de gerar resultados acima do mercado.

IC – A inteligência
Todo gestor precisa ser capaz de fazer previsões sobre preços. De alguma forma, ele precisa ter um insight que lhe permita prever o comportamento de algum ativo, ou conjunto de ativos. Munido deste insight, o gestor seria capaz, por exemplo, de comprar um ativo que a maior parte dos integrantes do mercado acredita que não sofrerá uma valorização de preço. Neste trade, o gestor seria capaz de entregar aos seus investidores retornos excedentes aos do mercado. Se o gestor se comportar exatamente como o mercado, ele será incapaz de gerar resultados excedentes ao mercado – em outras palavras, será incapaz de gerar alpha. Ele precisa tomar decisões diferentes da média e, para embasá-las, precisa do tal insight.

Apenas fazer previsões, no entanto, é trivial. O objetivo, claro, é fazer previsões corretas. Quanto mais acertadas as previsões forem, melhor. O desafio está no fato de que previsões são, por natureza, frequentemente erradas. Um bom gestor, portanto, está acostumado com erros – ele os comete frequentemente. Aqueles que não tem estômago para isso, logo desistem da profissão. Nesse sentido, um bom gestor é como um bom atleta. Uma estatística chocante que ilustra bem o ponto é o número de pontos ganhos por Roger Federer. Ao longo de sua carreira, que se estendeu por mais de duas décadas, Federer disputou um total de 236.038 pontos. Destes, o suíço venceu 127.702, o que significa que ganhou apenas 54% dos pontos disputados. É uma margem de ganho muito, muito pequena. No entanto, quando combinada com o próximo parâmetro da fórmula, temos um dos maiores jogadores da história. Caso não tenha ficado claro, IC é a taxa de acerto do gestor.

BR – A abrangência
De que adianta a capacidade de fazer previsões precisas sobre o preço de um ativo, se esse ativo é uma ação ilíquida cujo volume diário operado é menor que R$100.000? A capacidade de realizar previsões corretas é evidentemente um fator importante, mas se essa capacidade for limitada a um número muito pequeno de “apostas”, o resultado obtido por esse gestor também será limitado. É a isso que o BR se refere – o número de “apostas” realizadas no trabalho de gestão.

Esta variável costuma ser uma das grandes barreiras dos gestores profissionais. Existem diversos especialistas de juros brasileiros. Outros tantos especialistas de setores da bolsa local. São raros, no entanto, os que têm conhecimento profundo de diversas classes de ativos, em diversas geografias. Esses são os que possuem alguma chance de se transformarem em grandes gestores, pois os especialistas não são capazes de fazer um grande número de apostas. Eles esbarram na barreira da liquidez, o que significa que suas estratégias são vencedoras para volumes pequenos. Para crescer, o gestor precisa começar a fazer apostas em outros mercados e, ao fazer isso, sacrifica seu IC. Os gestores verdadeiramente brilhantes são aqueles que conseguem combinar um bom IC (leia-se, taxa de acerto acima de 50%) com um BR alto. Isso parece muito mais simples do que de fato é. Ao longo dos últimos 15 anos, conto nos dedos das mãos os gestores que conseguiram chegar a esse nível. Maximizar uma das variáveis sem sacrificar a outra é uma tarefa extremamente complexa. Não acredito que exista atualmente algum gestor que consiga fazer isso sozinho, isto é, sem a ajuda das técnicas e ferramentas que explicarei mais a frente. A maioria sequer leva isso em consideração.

TC – A eficiência
Se indagarmos 10 gestores profissionais, escolhidos aleatoriamente, me surpreenderia se um deles sequer mencionasse esse ponto. Encontrar um gestor que mencione consistentemente sua eficiência ao operar no mercado é bastante raro. Todos costumam focar na mesma narrativa: “Temos um time altamente capacitado, formado por traders que estão há décadas no mercado e acostumados a operar grandes volumes. Por isso, conseguimos executar nossas posições com maestria e custo mínimo”. Se formos além e pedir para verificar a análise de custos, eles mostrarão custos de corretagens mínimas negociados com seus prime brokers e, os mais sofisticados, vão mostrar os custos de spread quando montam suas posições. Nada disso, entretanto, conta a história completa da eficiência de um gestor. Custos de corretagens, emolumentos, spread,  são apenas os efeitos primários que são mensurados facilmente quando um gestor monta uma posição. O verdadeiro trabalho, e onde a eficiência pode realmente erodir o retorno de um gestor, é identificar como o organismo vivo do mercado se comporta quando entra uma nova ordem, ou sequência de ordens. Esse comportamento é chamado de impacto. O pesquisador Robert Kissell caracteriza os custos de uma ordem em 8 layers:

Na Giant, estudamos como nossas ordens impactam o mercado há anos, e frequentemente descobrimos novas facetas desse impacto. Esse esforço tem um único intuito: medir precisamente qual é nossa verdadeira eficiência. Uma vez que um gestor tem uma ideia e quer executá-la, o preço em tela do ativo que ele quer comprar naquele instante, também chamado de Decision Price, é o preço no qual sua taxa de acerto é maximizada. Toda movimentação do mercado a partir desse ponto, é perda de eficiência. Poucos entendem o quanto essa perda de eficiência pode ser prejudicial. Voltemos ao exemplo do Federer. Ele ganhou 54% dos pontos que disputou. Imagine que durante um jogo qualquer, por algum motivo, a quadra está desbalanceada, com uma depressão sutil em uma região.   Se não quisermos usar o exemplo da quadra, podemos pensar no da raquete. Imagine que a marca de raquetes que Federer está acostumado a jogar modifica o material de sua composição, forçando-o a se adaptar e, no processo, diminui sua eficiência. Tudo que sai do controle do jogador, ou do gestor, pode ser uma perda de eficiência – e pouquíssimos estão olhando para isso. Nos EUA, onde a gestão sistemática dominou o mercado, os gestores são obcecados por sua eficiência. Peter Brown, CEO da Renaissance, disse: “Costs will eat you alive”. Posso garantir que, nesta frase, ele não está se referindo à corretagem.

Profundidade vs. Amplitude
Agora que sabemos como decompor o resultado de um gestor, podemos começar a entender sua origem. Como regra de bolso, existem dois “estilos” diferentes de gestão:

Profundidade: Esse gestor foca seus esforços principalmente na análise profunda. Sua capacidade de analisar o mercado e traçar cenários complexos e bem fundamentados precisa ser excepcional. Normalmente, esses gestores são especialistas em uma classe de ativos ou uma região. Pense em um gestor que tenha sido diretor do BC no passado, por exemplo. Em geral, ele acredita ser capaz de analisar as decisões do time atual do banco central e, com isso, acertar com mais facilidade as movimentações da taxa de juros do Brasil. O foco desse gestor, naturalmente, é em IC – quanto maior, melhor. A tentativa é sair de pouco mais de 50% de acerto e chegar em 60-65%. O ponto fraco desse estilo de gestão tende a ser a quantidade de apostas. O gestor depende das poucas apostas que faz e, se elas derem errado, seus retornos serão inconsistentes. Fundos com esse estilo têm um comportamento típico: alguns anos de resultados estelares, nos quais todas as poucas e grandes apostas estavam corretas, e alguns anos de resultados muito ruins – quando o oposto aconteceu. Nos EUA, percebemos que o número desses gestores foi diminuindo ao longo dos anos. Muitos cotistas não aguentam a volatilidade de um cenário de, por exemplo, dois anos seguidos de resultados ruins. Aqui no Brasil percebo uma migração para gestoras mais abrangentes em sua atuação e melhores estruturadas, por vezes com times segregados, voltadas a aumentar o número de apostas e os mercados que atuam.

Amplitude: Conheci diversos gestores que almoçam na mesa todos os dias, acordam zerados e vão dormir zerados. Ou seja, todas as suas posições são montadas e desmontadas no mesmo dia. Naturalmente, este gestor está se apoiando muito mais no BR do que no IC. Este gestor está preocupado em fazer o máximo de trades possível, com uma taxa de acerto razoável. Ele tem o “luxo”, portanto, de errar um pouco mais. O ponto fraco desse gestor é a escala. Como faz um grande número de operações e, em geral, opera sozinho ou com alguns poucos traders nos quais confia, está sempre limitado pela liquidez dos mercados que opera. Esse gestor enfrenta – e enfrentará cada vez mais – o problema de eficiência que mencionei acima. Conforme o mercado fica mais complexo e mais sofisticado, será necessário cada vez mais metodologias avançadas de execução (compra e venda de ativos) para minimizar o impacto no mercado e, consequentemente, maximizar sua eficiência.

Como sugestão ao leitor, na próxima vez que se encontrar com um gestor, pergunte a ele onde estão concentrados seus esforços. Em uma taxa de acerto alta com poucas apostas ou em uma taxa de acerto marginalmente acima de 50% porém com um grande número de apostas?

Como o sistemático é diferente?
Gestão de recursos, como muitas outras coisas na vida, é uma combinação de arte e ciência. A ênfase dessa última frase está na palavra “combinação”. O gestor artista que se alicerça apenas na sua intuição não tem nenhuma chance de sobrevivência nas próximas décadas. O mercado ficará continuamente mais complexo e competitivo e, sem o uso de ciência aplicada, será impossível navegar essa complexidade. Neste sentido, o gestor com maior chance de sobrevivência será aquele capaz de desenvolver um processo científico que suporta sua intuição e maximiza a eficiência da mesma. Já usamos a analogia a seguir inúmeras vezes, mas ela segue relevante. Pense na Fórmula 1. Um piloto, hoje, não é nada sem seu carro – o qual foi meticulosamente planejado por uma equipe de mais de 400 engenheiros trabalhando em cada detalhe da máquina. É apenas apoiado nessa ferramenta e nessa equipe que o piloto pode maximizar seu talento. Seguindo esse raciocínio, o gestor sistemático é aquele que pensa na gestão de recursos como um sistema. Este precisa ser continuamente melhorado e calibrado, para que o gestor possa expressar seu talento da melhor maneira possível, assim como faz o piloto dentro do carro e da pista. Um sistema bem montado, com gestores hábeis trabalhando nele, possui a maior probabilidade de sucesso no longo prazo. Na Giant, estamos trabalhando continuamente nesse sistema há 12 anos e a cada ano que passa ele se torna mais eficiente. O foco deste trabalho é maximizar os 3 elementos da fórmula:

IC: Nosso processo de pesquisa é absolutamente data-driven. Isso significa que não criamos teses com base em opiniões. Deixamos os dados contarem as histórias, e trabalhamos com elas. O trabalho se aprofunda em ciência de dados, matemática e estatística.

BR: Um dos maiores benefícios de se construir um sistema é o fato de que ele roda em qualquer lugar do mundo. Diferente de um gestor tradicional que precisa montar um time local em cada país no qual deseja operar, para nós, a operação é praticamente idêntica em todos os países do mundo. Uma vez que o sistema está adaptado para a bolsa local, podemos começar a rodar nossas estratégias. Quanto mais ativos e mais países, melhor. O objetivo é realizar milhares de apostas todos os dias, aumentando o BR e, consequentemente, o IR.

TC: Eficiência só pode ser melhorada se for medida. Absolutamente tudo que fazemos é mensurado e analisado para que possa ser continuamente melhorado. Pretendo escrever uma carta futura na qual detalharei tudo que avaliamos para medir nosso impacto no mercado e as estratégias que usamos para minimizá-lo.

Em conclusão, podemos afirmar que o sistema é perfeito e infalível? A Giant Steps, portanto, nunca terá resultados negativos?

Gostaria de, algum dia, encerrar uma carta confirmando estas perguntas. Naturalmente, isso não é, e nunca será, verdade. Todos os anos enfrentamos desafios diferentes e precisamos encontrar soluções criativas para resolvê-los. Posso afirmar com toda certeza, contudo, que somos capazes de medir exatamente onde estamos, o que está dando errado e pensar em soluções incrementais ao sistema que podem ajudar a melhorá-lo. Isso é muito diferente do que a maioria dos gestores pode dizer. Boa parte do mercado ainda se alicerça apenas na intuição. Preferimos combiná-la com o método científico.

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