Carta aos Cotistas – 3Q2021

“The falcon cannot hear the falconer; Things fall apart; the centre cannot hold” (The Second Coming – W. B. Yeats)

 

Não faz tanto tempo o mercado transbordava de otimismo, na onda de uma recuperação econômica embalada por maciços estímulos fiscais, um bem-sucedido programa de vacinação e os ventos favoráveis de juros baixos a perder de vista.

A diferença que alguns meses fazem! Os ventos mudaram e, num instante, o tempo fechou: o colapso de cadeias de suprimento, o recrudescimento da pandemia em várias partes do mundo, sinais de fraqueza e inflação persistentemente alta, quebras de safra, crise energética, a escalada de tensões geopolíticas e o aumento da cacofonia política azedaram o humor do mercado. A bolsa americana – que, em início de setembro alcançava máxima histórica – levou um tombo de 5%. No Brasil, a bolsa já vinha fazendo água desde o final do segundo trimestre. Mas, no terceiro, emborcou de vez acumulando perda de 14%. O USDBRL e o juro de um ano, que subiram 9% e 200bps, respectivamente, também sinalizaram a derrocada dos mercados locais.

Não é a primeira vez nos últimos anos que os mercados sucumbem a uma abrupta realização, apenas para recobrar o rumo do porto na sequência. Dessa vez, porém, a desestabilização parece mais duradoura e estrutural. Um sistema, quando submetido a mudanças incrementais cumulativas, ou a um súbito choque externo, pode atingir um tipping point, uma mudança não linear que o leve a um novo estado de “equilíbrio” – fenômeno conhecido na literatura como mudança de regime1.

A pandemia de Covid-19 parece ter sido exatamente esse choque: o mundo de inflação baixa, juro zero e mercados funcionais ao qual os investidores se acostumaram, pré-pandemia, parece ter ficado irrevogavelmente no passado. A cartografia antiga não serve para navegar os novos mares. Não por acaso, governos hesitam entre furar tetos com auxílios emergenciais e cortar gastos para conter a dívida. Bancos centrais não sabem se sobem juros para baixar a inflação (supostamente “transitória”), ou baixam juros para estimular o emprego.

Para investidores, essa transição pode ser desorientadora e dolorosa. Na Giant Steps, o processo de gestão é desenhado para ser adaptativo. Mudanças no ambiente podem reduzir a eficácia dos modelos ou mesmo torná-los obsoletos. Mas o influxo contínuo de novos dados permite recalibrar modelos (para a maioria dos modelos, isso ocorre permanentemente), adaptá-los às novas condições e mesmo substituí-los por novas e melhores versões.

A seguir, vamos dissecar qualitativamente alguns desses fatores para jogar uma luz sobre o que se passa sob o capô do processo quantitativo.

Pandemia redux, caos nas cadeias logísticas e crise energética

Duas vezes mais virulenta e letal do que outras linhagens, a variante “delta” do vírus SARS-CoV-2 se tornou dominante em partes da Europa, América do Norte e Ásia. A rápida disseminação da nova cepa provocou o recrudescimento da pandemia de Covid-19 mesmo naqueles países onde, graças à vacinação, a erradicação parecia ao alcance da seringa2.

O caso da Oceania e do sudeste asiático é paradoxal. A pronta implementação de medidas sanitárias rígidas naqueles países consentiu que atravessassem os primeiros 18 meses da pandemia praticamente ilesos – enquanto seus pares na Europa e América sofriam surtos devastadores de infecção. Perversamente, o sucesso inicial no combate à pandemia teve o efeito de desincentivar, em seguida, a vacinação: quando a variante delta chegou à região (em meados de 2021, já em meio ao relaxamento das medidas sanitárias), encontrou uma população com baixos níveis de imunização. O resultado foi um surto temporão de casos (gráfico 1) que levou ao fechamento de fábricas e à interrupção da produção – agravando a precária situação de cadeias globais já severamente esgarçadas pela escassez de mão-de-obra e por gargalos logísticos.

Gráfico 1: Expectativas IPCA 2021, Pesquisa Focus do BACEN)

Gráfico 2: Expectativas IPCA 2022, Pesquisa Focus do BACEN)

A esse cenário pouco animador vieram se juntar novas mazelas. Aberrações climáticas – enchentes na Europa e China, secas de norte a sul do continente americano, geadas e tempestades de areia no sudeste do Brasil – quebraram safras do Canadá (trigo) ao Brasil (café).

No Brasil, a seca castiga os reservatórios hídricos que alimentam as usinas hidrelétricas. A água armazenada se encontra no menor nível desde 2001. Embora a situação tenha melhorado um pouco em setembro, alguns especialistas ainda consideram provável alguma forma de racionamento  entre outubro e dezembro, quando se inicia a estação de chuvas. Desnecessário dizer que esse prognóstico levou analistas a revisar para cima expectativas de inflação (Gráfico 1; Gráfico 2) e para baixo crescimento do PIB (Gráfico 3; Gráfico 4). Alguém mencionou estagflação?

Gráfico 3: Expectativas PIB 2021. Fonte: Pesquisa Focus do BACEN

Gráfico 4: Expectativas PIB 2022. Fonte: Pesquisa Focus do BACEN

China e Europa (e, em menor grau, Estados Unidos) também enfrentam crises energéticas por conta de uma inusitada escassez de carvão (na China) e gás natural, combustíveis cujas cotações bateram máximas históricas e puxaram junto o preço do petróleo. A disparada do gás natural em setembro (Gráfico 5) surpreendeu o mercado e gerou revolta entre a população que viu a conta de gás subir dramaticamente antes mesmo da chegada do inverno. A súbita alta de preços – trazendo à memória semelhante episódio no Texas, em fevereiro – causou perplexidade; aqueles de mentalidade mais conspiratória levantaram suspeitas de interferência russa no mercado, ilação prontamente rechaçada pelo Kremlin.

Seja como for, a situação só se acalmou quando o presidente russo Vladimir Putin prometeu aumentar o fornecimento do combustível aos países europeus (Putin, que não é conhecido pelo instinto caridoso, dificilmente deixará barato). Na China, o governo central decretou o fechamento de fábricas sob o pretexto de cortar emissões de gases estufa. O consenso entre observadores externos, porém, é que a medida tenha visado reduzir o consumo de carvão, combustível escasso desde que o país baniu importações da Austrália (em represália ao pedido feito, por este último, de uma investigação acerca da origem da Covid-19). O certo é que a medida pôs mais lenha na fogueira da quebra das cadeias de suprimento (inclusive afetando insumos como amônia, usada em fertilizantes pelo o agronegócio brasileiro).

E, como desgraça pouca é bobagem, o mercado imobiliário chinês cambaleia à beira do precipício com a insolvência da empresa Evergrande, devedora de mais de US$ 300 bilhões. Muito se especulou se a Evergrande seria a Lehman chinesa. Evergrande é altamente alavancada, mas dificilmente ofereça o mesmo nível de risco sistêmico que um grande banco. Ademais, tudo indica que será resgatada pelo governo chinês (ao contrário do desafortunado banco americano). O fato é que, entre o colapso da Evergrande e a crise energética, a economia chinesa começou a dar sinais de desaceleração em setembro.

Gráfico 5: Contrato a termo de gás natural, Netherlands. Fonte: Bloomberg

Inflação, estagflação e o fim da QE

A economia global sofreu sucessivos tremores secundários na esteira da pandemia: colapso de cadeias de suprimentos, gargalos logísticos, escassez de mão-de-obra, quebras de safra, desabastecimento e crises energéticas. Tudo isso elevou a inflação global ao maior nível em mais de uma década. Mas choques de oferta são, por natureza, transitórios.

Superados os gargalos e saciada a demanda reprimida durante o período de isolamento a inflação deveria, em tese, voltar a níveis pré-pandemia. É a aposta dos bancos centrais dos países desenvolvidos e motivo pelo qual, diferente de seus pares emergentes, têm persistido na política de juros baixos (notável exceção: Nova Zelândia). Essa é uma política altamente condicionada pela experiência da última crise, a Grande Crise Financeira de 2008. Porém, diferente da pandemia, aquele foi um choque deflacionário (Gráfico 6) e muito persistente (mais de sete anos se passaram entre o pico da crise de 2008 e o desemprego voltar a ficar abaixo de 5%, versus pouco mais de um ano após o pico de 2020; Gráfico 7), que demandava um longo período de juro zero.

Gráfico 6: Preço ao consumidor no EUA, %YoY (áreas sombreadas correspondem a recessões). Fonte: U.S. Bureau of Labor Statistics, St. Louis Fed.

Gráfico 7: Desemprego nos EUA (áreas sombreadas correspondem a recessões). Fonte: Bureau of Labor Statistics, St. Louis Fed.

A natureza fundamentalmente diferente da pandemia sugere que, desta vez, seja diferente. De fato, o “dot plot” do FED (Gráfico 8) sinaliza que a primeira alta de juros ocorrerá em meados de 2022 (os mercados, através dos preços de títulos do Tesouro Americano, rogam discordar). Mas, mesmo que o início do aperto de juros não seja iminente, pesa sobre a cabeça dos mercados a ameaça de “taper” – a redução no programa de recompra de ativos3, programa esse implementado pelo FED na esteira da pandemia. O FED condicionou essa redução ao retorno da inflação ao nível de 2% a.a. (meta superada por larga margem; Gráfico 6) e à volta do pleno emprego no mercado de trabalho (quase lá; Gráfico 7). Com as duas condições praticamente satisfeitas, os sinais são de que o taper começará em novembro. Sem o FED comprando US$120 bilhões em ativos todo mês, os preços deverão cair – ou, equivalentemente, yields (taxas de desconto, ou juros) deverão subir. Para todos os efeitos, será um aperto nas condições monetárias4.

Gráfico 8: “dot plot” do FED. Fonte: Bloomberg

 

Highlight: O desenrolar do 7 de setembro

A inflação continuou atormentando o mercado no terceiro trimestre. Em fins de setembro, a inflação acumulada em 12 meses no Brasil superou 10%, evocando memórias do final do governo Dilma Rousseff – ocasião em que também superou dois dígitos – e ganhando as manchetes nacionais.

Nos mercados, porém, o pico de ansiedade ocorrera duas semanas antes, mais precisamente às 9 horas do dia 9 de setembro, quando o IBGE divulgou o IPCA de agosto ainda sob a ressaca de um conturbado feriado da Independência. No dia 7, o presidente desafiara o STF e inflamara suas legiões de apoiadores com palavras de ordem belicosas proferidas do alto de palanques. No dia seguinte, caminhoneiros solidários ao presidente ameaçaram paralisar o país – suscitando flashbacks amargos do caos produzido em 2018, quando da última paralização de caminhoneiros.

O mercado de juros é movido por expectativas acerca das ações do Comitê de Política Monetária (COPOM), que calibra a taxa de juros básica (SELIC) perseguindo o duplo objetivo de manter a inflação na meta e a economia a pleno emprego (objetivos, estes, nem sempre conciliáveis). Acontece que a projeção de inflação em 2021, em torno de 8,5%, está a milhas de distância da meta de 3,75% e a situação em 2022, inflação projetada de 4,1% versus meta de 3,50%, tampouco oferece conforto. É compreensível, portanto, que o mercado estivesse bastante sensível a divulgações de inflação.

Quando naquela fatídica quinta o IPCA de agosto piscou nas telas – 0.87%, versus o esperado de 0,71% – o mercado de contratos futuros de DI da B3 entrou em parafuso: o contrato com vencimento em janeiro de 2023 (DI F23) que, na véspera, encerrara cotado a 8,79% – gapou +20bps na abertura. O caldo entornou definitivamente com boatos de bloqueios de estradas. O DI F23 foi buscar 9,50% na máxima, um movimento de nada menos do que cinco desvios padrão!

Naquele dia o fundo Zarathustra amanheceu posicionado para uma alta dos juros – não porque previsse um IPCA acima das expectativas, mas porque os modelos vinham surfando aquela (já longa) tendência de alta desde janeiro. Calibrados para ajustar posições a risco, eles reagiram ao salto na volatilidade disparando ordens para reduzir posições. Essa redução foi providencial pois, faltando pouco mais de uma hora para o encerramento da sessão, a imprensa divulgou uma carta, em tom extremamente conciliador, redigida pelo ex-presidente Michel Temer e assinada pelo presidente. Foi o suficiente para desarmar os ânimos e fazer o DI F23 tombar 40bps, praticamente “no vazio” (sem que houvesse negócios), para encerrar o pregão cotado a 9,02% (Gráfico 9).

Na semana seguinte, foi divulgado o U.S. CPI (inflação americana) que, ao contrário do IPCA, surpreendeu para baixo. O efeito sobre o mercado de DIs foi o inverso: as taxas desabaram. O contrato DI F23 caiu 30bps, retornando a 8,85% e encerrando uma semana de alucinante praticamente onde começara! Nesse dia os modelos sofreram perdas – mas, significativamente menores do que se não tivessem reduzido posições na semana anterior.

Gráfico 9: Gráfico intradiário do DI F23, dias 8 e 9 setembro. Fonte: Bloomberg, Giant Steps

Desempenho dos fundos master

O fundo Zarathustra teve um retorno de 2,16% (0,92% acima do CDI) no terceiro trimestre com uma volatilidade anualizada de 7,83%. Esse resultado veio sobretudo das posições de juros, que continuaram com forte tendência de alta. Bolsas e moedas contribuíram negativamente para o resultado do trimestre. O fundo master Sigma deve um retorno de 0.01% (-0,83%, descontado o CDI) com uma volatilidade anualizada de 5,59%. O fundo obteve ganhos nas classes de commodities, ações internacionais e inflação. Já as perdas foram concentradas em juros, ações locais e moedas.

 

Notas:

  1. No contexto de finanças quantitativas, caracteriza-se por mudanças nas distribuições de retornos de ativos, nos momentos da distribuição e na correlação entre ativos (matriz de covariância).
  2. O repique de casos nos EUA (que ultrapassou 700 mil mortos por COVID-19 ao final do trimestre) foi, em grande medida, ocasionado por feroz resistência à vacinação naquele país. Enquanto a União Europeia havia vacinado cerca de 65% de sua população até meados de setembro, os EUA, tendo começado mais cedo, estacionaram em 55%. É notável que o nível relativamente baixo de vacinação nos EUA ocorra em meio à maior fartura de vacinas do planeta – fartura essa que países como o Brasil (cuja população, ao contrário da americana, é amplamente favorável à vacinação) só podem invejar. Notável, também, pela divisão por linhas partidárias: 90% de auto declarados democratas tomaram ao menos uma dose de vacina, versus 58% de republicanos (Kaiser Foundation). Análises revelam que a taxa de mortalidade nos distritos que votaram majoritariamente Trump (>70% dos votos) em 2020 é quase cinco vezes maior do que nos distritos onde esse voto foi minoritário (<30%).
  3. Ferramenta de política monetária não convencional, também conhecida por “Quantitative Easing”, utilizada para estimular a economia quando a taxa de juros já está próxima do piso zero.
  4. Muita gente observa que esse aperto poderá ocorrer num momento em que a economia mundial, fragilizada pelos fatores citados, começa a patinar. Desaceleração econômica costuma vir acompanhada de queda na inflação, ou deflação. Dessa vez, porém, a queda da atividade ocorreria num ambiente inflacionário. Não por acaso o termo “estagflação” – uma contração de “estagnação” e “inflação” cunhado nos anos 70 – voltou à moda, como atestam buscas no Google (Gráfico 10).

Gráfico 10: buscas no Google pelo termo “stagflation” nos últimos 5 anos. Fonte: Google Trends.

 

Referências:

  1. https://www.bloomberg.com/news/features/2021-09-28/climate-change-in-brazil-fire-frost-drought-upends-global-markets
  2. https://g1.globo.com/economia/crise-da-agua/noticia/2021/09/01/crise-hidrica-se-agrava-e-vira-mais-um-entrave-para-o-crescimento-da-economia-brasileira.ghtml
  3. https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/risco-de-apagoes-no-brasil-e-maior-entre-outubro-e-novembro-dizem-pesquisadores/
  4. https://www.reuters.com/business/energy/russias-gazprom-feels-heat-over-europes-red-hot-gas-prices-2021-10-06/
  5. https://www.washingtonpost.com/world/asia_pacific/china-power-climate-emissions/2021/09/30/e3d453d4-1f44-11ec-a8d9-0827a2a4b915_story.html
  6. https://www.reuters.com/world/europe/europe-made-mistake-ditching-long-term-gas-deals-putin-2021-10-06/
  7. https://bit.ly/3Du4ztE

 

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