“And what rough beast, its hour come round at last, Slouches towards Bethlehem to be born?” (The Second Coming, W. B. Yeats)
O improvável final de 2016: A eleição de Donald Trump
NUM ANO QUE SERÁ LEMBRADO por eventos singulares e aberrações estatísticas – impeachment da presidente no Brasil, vitória do Brexit no Reino Unido, triunfo do pequeno Leicester City no inglês e do Palmeiras no brasileiro – coube a novembro parir a que seja talvez a maior surpresa do ano: a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Cabe ressalvar que a vitória de Trump foi um choque mas, a rigor, não uma zebra: os candidatos chegaram à eleição tecnicamente empatados e os mercados de aposta pagavam 3 para 1 no caso de vitória do republicano – o que não fazia dele, propriamente, um azarão. Foram as idiossincrasias do sistema de votação americano, baseado em colégio eleitoral, e um punhado de derrotas apertadas em estados decisivos que tiraram a vitória de Clinton, mesmo tendo ela recebido dois milhões de votos a mais do que seu adversário¹.
Muita tinta se derramou sobre as causas sociológicas do fenômeno Trump: seria uma manifestação da cepa populista que percorre a política americana há dois séculos (desde a eleição de Andrew Jackson, em 1824). Cepa que ficou dormente durante o período de prosperidade do pós-guerra mas que retorna agora, mais virulenta do que nunca, na esteira das profundas crises e transformações sociais do século 21. É um paradoxo que tenha sido um bilionário representante da elite cosmopolita quem tenha capturado o novo zeitgeist populista; Trump, do alto de sua torre envidraçada na quinta avenida, à frente de um império global de propriedades, se afigura como improvável profeta dos deserdados da globalização e do progresso tecnológico. Casado três vezes e alvo de múltiplas acusações de assédio sexual, tampouco lhe cai bem o figurino de conservador, caro a certo eleitorado republicano. Vulgar, vaidoso, impulsivo, politicamente inexperiente e desprovido de uma visão-de-mundo articulada, Trump parece singularmente desqualificado para liderar o mundo livre. De fato, seu maior talento foi saber canalizar melhor as angústias e ressentimento do eleitorado do que seus rivais de partido. Fiel ao discurso populista, Trump promete recorrer a protecionismo principalmente contra China e México (cujas moedas, não por acaso, sofreram fortes desvalorizações). Tal política não ficará sem retaliação e, levada a extremos, resultará em redução permanente do comércio e riqueza mundiais, para prejuízo de todos. Articulada com menos clareza, mas potencialmente mais profunda, é a promessa de uma guinada na política fiscal com corte de impostos e um amplo programa de renovação da infra-estrutura. Mix que aumentaria significativamente o déficit e endividamento do governo e injetaria forte estímulo à economia que, tudo mais constante, traria crescimento e o retorno da inflação². Juntando as peças, o mercado derrubou violentamente o preço dos títulos da dívida americana fazendo disparar taxas de juros globalmente.
A reação no mercado brasileiro
Os mercados brasileiros chacoalharam a reboque da turbulência global sem, contudo, abrir mão de crises cultivadas em seu próprio quintal. A principal envolveu a queda de ministro após revelações constrangedoras, tema recorrente no governo Temer. A última vítima foi Geddel Vieira, ministro da Secretaria de Governo, que entregou o cargo após seu colega da Cultura, Marcelo Caleros, denunciar pressão pela liberação de obra na qual Geddel tinha interesse pessoal. Caleros, ele próprio demissionário, saiu atirando: fez denúncia ao Ministério Público e entregou gravações do presidente e ministros à polícia. A temperatura política continuou a subir quando, dias depois, o congresso aprovou uma versão desfigurada do projeto de lei de combate à corrupção. Os detalhes são complexos mas é suficiente dizer que os procuradores da Lava Jato ameaçaram renunciar, caso o projeto seja aprovado na versão emasculada apresentada pela câmara. O pano de fundo dessa briga foi o agravamento da crise nos estados que, cada vez mais, se encontram em situação de aguda insolvência (o Rio Grande do Sul seguiu o exemplo do Rio de Janeiro e declarou estado de calamidade financeira). Não contribui para desanuviar o ambiente o fato da economia continuar encolhendo (-0.8% no terceiro contra o segundo trimestre). Até empresários, aliados de primeira hora do governo Temer, começam a demonstrar impaciência com a demora na aprovação das reformas e com o que percebem como excesso de conservadorismo do Banco Central. Para um governo cuja popularidade é baixa e legitimidade, constantemente questionada, o custo político do desgaste é alto. O risco que assombra o mercado é que o agravamento da crise solape de vez a capacidade do governo aprovar reformas – em particular, a fundamental reforma da previdência.
Desempenho novembro de 2016: Fundo Zarathustra
Novembro foi frustrante para o Zarathustra FICFIM uma vez que os modelos registraram fortes ganhos com a inesperada vitória de Trump mas não lograram segurá-los até o fim do mês, que terminou com retorno acumulado de -0.32%. O histórico do fundo revela que não são incomuns os períodos de baixo desempenho, por vezes se estendendo vários meses até que o fundo volte a registrar ganhos expressivos (que costumam mais do que compensar os período fracos). De fato, embora frustrante, esse comportamento é esperado e não temos motivo para acreditar que o padrão histórico tenha se alterado. Aproveitamos para comunicar a interessados que o fundo reabriu para aplicações (para maiores informações, favor entre em contato com a área comercial).
Veja os dados consolidados do fundo
¹ A incerteza no resultado de votação por colégio eleitoral é, em geral, maior do que na votação direta. Pode-se fazer uma analogia com opções: votação direta equivale a uma opção sobre cesta com n ativos; colégio eleitoral, a uma carteira de n opções. A volatilidade da primeira é menor devido à correlação entre ativos. A incerteza aumenta quando as opções estão próximas ao dinheiro, isto é, quando os candidatos estão empatados.
² A quem acompanha o acirrado debate entre economistas keynesianos, em geral alinhados ao partido Democrata, como Paul Krugman e Larry Summers, e proponentes de Estado mínimo e austeridade, abrigados predominantemente sob o partido Republicano, não escapa a ironia de ser justamente um republicano a levar adiante um programa de inequívocos contornos keynesianos.