“Quando se olha muito tempo para o abismo, o abismo olha de volta.”
Friedrich Nietzsche
Resultado do fundo Zarathustra no 2°Q 2019
O Fundo Zarathustra FICFIM rendeu 4,53% no segundo trimestre de 2019 e 1,96% no acumulado do semestre, equivalente a 64% do CDI no período. O desempenho do segundo trimestre veio sobretudo das estratégias de momentum de juros, moeda e bolsa locais, complementado por estratégias de futuros de S&P500 e títulos do Tesouro americano.
Carta aos cotistas
A Reforma da Previdência continuou a dar o tom aos mercados brasileiros no segundo trimestre de 2019 – agora, tendo como pano de fundo o acirramento de tensões entre o Executivo e Legislativo. A relação entre poderes começou a azedar em março, quando a guerrilha movida pela militância bolsonarista nas redes sociais deu início a uma troca de acusações entre os chefes das respectivas casas (“está brincando de presidente” disparou um; “ingovernável fora de conchavos”, retrucou outro). O confrontamento se agravou em maio – e ameaçou degringolar para uma crise institucional – quando manifestações de rua em favor do presidente (resposta, por sua vez, a protestos antigoverno) atacaram o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.
O colapso nas relações entre governo e Congresso paralisou a tramitação da Reforma e ameaçou jogar o país de volta à espiral de estagnação e deterioração de expectativas em que se encontrava no final do governo Temer. Sem a perspectiva de uma rápida aprovação da Reforma, os mercados encerraram sua lua-de-mel com o novo governo e desabaram com um estrondo: a bolsa – que, até março, vinha acumulando recordes – perdeu 10% em pouco mais de um mês, com estrangeiros liderando as vendas; o dólar – que, em março, rondava 3,60 – disparou e voltou a operar acima de 4 reais; a confiança dos empresários – que, em janeiro, atingiu o maior nível em uma década – derreteu mais de 10%, levando consigo (o já minguado) investimento e empurrando o desemprego para 13%. Numa procissão macabra, uma após outra instituição financeira reduziram projeções de crescimento para 2019, levando a expectativa de 2,5%, em janeiro, para menos de 1%, em junho. Em entrevista que parecia um recado direto ao presidente e ao Congresso, o ministro Paulo Guedes ameaçou deixar o governo caso a Reforma não passasse.
A verdade é que não seria simples aprovar um ajuste profundo da Previdência na melhor das circunstâncias. É uma reforma necessariamente impopular, pois subtrai benefícios de cada trabalhador em troca do difuso benefício de um ajuste das contas públicas (ou, da redução de seu desequilíbrio) a se materializar num futuro incerto. Contraria interesses de corporações poderosas, como a dos servidores, professores e policiais. No Congresso o corporativismo forma uma aliança com as esquerdas, lideradas pelo PT, para as quais a Reforma é parte da odiada “agenda neoliberal” – às favas o déficit atuarial, o envelhecimento demográfico, a iniquidade de um sistema que privilegia funcionários públicos sobre trabalhadores do setor privado e que transfere renda de pobres para ricos, como faz a Previdência atual. Esse matrimônio de conveniências em que coabitam corporações e esquerdas abriga ainda um terceiro cônjuge eventual: o oportunista “Centrão”, bloco ideologicamente amorfo em que voto é nada mais que moeda de troca.
Contra tão organizada e empedernida resistência seria natural contar com o recém-eleito e (ainda relativamente) popular Presidente da República na pregação do Evangelho da Reforma, no esforço de conquistar corações e mentes para a imperiosa necessidade de conter a escalada do gasto público, abrindo espaço para a retomada de investimentos – em infraestrutura, saúde, educação (Paulo Guedes tem sido o grande evangelista dessa mensagem). Contribuir para a construção de uma maioria parlamentar para esse que, para o bem ou para o mal, fosse o ato decisivo desse governo.
Seria natural, talvez, para a equipe econômica, aliados políticos e o mercado… não, aparentemente, para o presidente. Nunca um entusiasta das reformas em seus tempos de parlamentar, Bolsonaro manteve distanciamento das negociações no Congresso. Convocado pelo presidente da Câmara a se engajar, esquivou-se alegando não querer “jogar dominó com Lula e Temer no xadrez”. Ficou claro que o presidente mais se interessava pela chamada “agenda conservadora”, um sortimento variado que incluía flexibilização da posse de armas, concessão de passaportes diplomáticos a bispos, obrigatoriedade de hino nas escolas, abrandamento de multas de trânsito, desmonte de regulamentações de proteção ambiental, e outras medidas caras à sua base eleitoral (a maior parte, derrubada no Congresso).
Em maio, densas nuvens negras se formaram sobre economia. Com a paralização da Reforma na Câmara, os mercados cambaleavam perigosamente à beira do precipício. O presidente contemplou o abismo diante de si e, assustado, recuou. Selou um pacto com o Congresso e Judiciário que valeu por uma trégua institucional, acelerou a liberação de emendas e passou a defender, ainda que timidamente, a reforma como necessária para a solvência do Estado. O Congresso, sob a liderança de Rodrigo Maia, assumiu o protagonismo pela Reforma – relegando o presidente, efetivamente, ao papel de “Rainha da Inglaterra”, nas palavras do próprio Bolsonaro (embora muitos considerem a comparação desfavorável à monarca). O texto enviado pelo Executivo foi reescrito na Câmara de forma a torna-lo mais palatável e a tramitação voltou aos trilhos; ressurgiu a perspectiva de aprovação da Reforma antes do recesso de julho. A mudança surtiu efeito imediato nos mercados: o índice Bovespa voltou a superar os 100 mil, o dólar voltou a operar abaixo de 4 reais e juros caíram forte com apostas de que, aprovada a Reforma, a porta estaria aberta para retomada de cortes na taxa SELIC.
Enquanto isso, no resto do mundo houve uma nova rodada na guerra comercial entre EUA e China quando americanos, às vésperas de assinar um acordo de comércio com chineses, abandonaram a mesa de negociação alegando violação dos termos negociados… O colapso nas negociações e a escalada de tensões no Oriente Médio fez ressurgir o fantasma de uma recessão global. Taxas de juros tombaram nos mercados globais. A taxa do título de 10 anos do Tesouro americano, que negociava acima de 3% no final de 2018, veio escorregando, escorregando até chegar a 2%, em junho. É certo que a Europa esteja novamente flertando com recessão e a economia chinesa, atingida pela guerra comercial, esteja desacelerando. Mas, absolutamente, não é claro que o mesmo esteja ocorrendo com a economia americana, que cresce a robustos 3% e cujo desemprego caiu ao menor nível em 50 anos. E, no entanto, o presidente Trump cobra corte de juros do presidente do FED (rasgando, novamente, o protocolo que estabelece não-interferência do Executivo na política monetária…) e o presidente do FED, ainda que nominalmente resistindo à pressão, sinaliza que irá satisfazer o desejo de Trump.
Referências
- https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2019/03/nao-vou-jogar-domino-com-lula-e-temer-no-xadrez-diz-bolsonaro-sobre-articulacao.shtml
- https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2019/07/candidato-a-rainha.shtml