“If I had more time I would have written a shorter letter” – Mark Twain
Hoje (09/02), a Luciana Seabra, fundadora da casa de análises Spiti, divulgou o texto “Por que não invisto em fundos quantitativos”.
Embora não tenha sido direcionada à Giant em específico, achamos válido escrever uma carta resposta. A ideia é esclarecer algumas concepções expostas pela autora, assim como apresentar alguns dados pertinentes ao assunto. Apesar da experiência da Luciana com análises de fundos, não seria atitude cabível por nossa parte a falta de um pronunciamento claro e (esperamos ter conseguido) conciso sobre pontos equivocados levantados por ela.
Buscando maior simplicidade na linha de raciocínio, optamos por estruturar esse texto usando os próprios trechos da argumentação da autora, incluindo ao final de cada um a nossa posição pertinente ao assunto.
Argumento 1
“É difícil, entretanto, casar a estratégia construída sobre dados e comportamentos dos preços passados com a visão Talebiana de que o passado não necessariamente se repete e, pior, de que, quando a ruptura acontece e encontra um portfólio desprevenido para a quebra de padrão, os impactos para o patrimônio podem ser relevantes.”
Qualquer gestor no mercado financeiro (dito quantitativo ou não) baseia sua tomada de decisão em dados. Mesmo em abordagens puramente discricionárias, o gestor usa sua experiência acumulada durante anos no mercado (tudo o que ele viu acontecer ao longo da vida) para tomar suas decisões.
Aqui vale um esclarecimento que pode parecer óbvio, mas não é: o que são dados? Dados são registros que mostram eventos que aconteceram em algum momento do passado. Seja uma série de preços ou o balanço de uma empresa, são “fotos” que mostram como estava determinada empresa ou ativo em algum momento específico da história. Não existem dados futuros. Existem, no máximo, projeções montadas em cima de dados (que envolvem incertezas e riscos). O que diferencia o trabalho dos gestores é como cada um lida com esses dados para tomar decisões de investimento para o futuro.
A visão Talebiana, na interpretação da autora, seria um ataque a qualquer tipo de gestor. Se dados não tem valor para prever movimentações de preço no mercado, nada tem. Seria uma visão simplória de que tudo o que acontece ao nosso redor é aleatório, e que qualquer esforço de previsão seria uma perda de tempo.
Mas a história (e os históricos de performance) dizem o contrário. Acreditar que os dados não oferecem boas pistas sobre a possível reação do mercado em um evento futuro é ignorar cegamente mais de um século de literatura e várias décadas de retornos consistentes de inúmeros gestores ao redor do mundo (se o tema foi motivado por aberturas recentes, esse é justamente o caso do Verde ou mesmo do Zarathustra aqui no Brasil). Mais do que isso, é acreditar que ninguém é capaz de gerar retornos no mercado sem atribuir o fato à mera “sorte”. E quanto mais a sorte se traduz em bons retornos com consistência, menor é a importância que atribuímos a ela.
Não precisamos ir muito longe. Um bom exemplo de ruptura, como diz o próprio Taleb, foi o impacto do coronavírus no mercado em março de 2020. Algo completamente inesperado e sem precedentes, que causou perdas fortes em todos os mercados e fechou as economias ao redor do globo. Um evento de cauda completamente imprevisível.
Aproveitando a reabertura próxima do Zarathustra, peguemos o fundo como exemplo. O Zarathustra teve excelentes retornos durante a crise do coronavírus. Um fundo baseado no uso massivo de tecnologia e desenhado para digerir a maior quantidade de dados (passados, é claro) possível navegou extremamente bem, no que foi, provavelmente, o caso mais emblemático de ruptura nos mercados da história recente. Na verdade, melhor do que a esmagadora maioria dos fundos tradicionais.
Isso aconteceu porque o mercado não é aleatório. O fato (pandemia que parou as economias ao redor do globo) pode até não ter precedentes na história recente, mas o que ele desencadeou no mercado tem. Não importa se for uma pandemia, uma guerra, uma lei nova ou qualquer outra coisa, que cause um choque no mercado. O que importa é que foi um choque no mercado e, nesse caso, temos dados de centenas de exemplos análogos que já aconteceram e que podem fornecer pistas valiosas de como o mercado reagirá. E isso explica o resultado do Zarathustra, especificamente.
Argumento 2
“Um estudo do Bank of America mostra que a média dos fundos quant de ações nos EUA subiu 3,3% em 2020, até setembro, ante ganho de 8,3% dos fundos de ações com seleção humana.”
Esse é um exemplo de um dos erros mais comuns quando o assunto é fundos quantitativos.
O leitor nos perdoe a repetição, mas novamente: Quantitativo não é uma estratégia, e sim uma ferramenta. Quantitativo significa usar tecnologia (usar as ferramentas que hoje estão disponíveis) para potencializar a capacidade de geração de retorno de um ser humano ou grupo de seres humanos. Apesar de muitas vezes brincarmos com o tema de robôs, na nossa equipe contamos com cientistas, pessoas trabalhando com as tecnologias mais avançadas do mundo para auxiliá-los no desenvolvimento de estratégias criativas de investimentos.
Classificar os fundos entre quantitativos ou não é similar a criar uma classe de fundos que, no processo de gestão, usam planilhas de Excel. Não é uma divisão por estratégia e, logo, não ajuda o investidor a criar uma carteira eficiente, apenas o atrapalha.
Prova concreta disso é a própria correlação entre os fundos ditos quantitativos. A correlação entre os fundos colocados nessa categoria é zero ou negativa. Esse é um indício fortíssimo de que as estratégias não são análogas (pelo contrário, mostra que são completamente diferentes entre si). Um exemplo dessa distinção são os fundos da própria Giant: Zarathustra e Sigma (ambos fundos quantitativos, ainda por cima de uma mesma gestora) são absolutamente diferentes e descorrelacionados entre si. Logo, mesmo no caso de fundos da mesma gestora, é de se estranhar uma classificação que os coloquem em uma mesma categoria. Estamos trabalhando agora (secretamente) em um fundo de ações com base em análise fundamentalista, como será classificado esse fundo?
O desejo de criar “caixas” para os fundos traz complicações ainda maiores. Todos os fundos da indústria usam tecnologia, alguns em maior, outros em menor grau. O que um fundo precisa ter para que ele seja considerado quantitativo? Que tipo de tecnologia e em quais partes do processo de investimento essa tecnologia precisa ser aplicada para que ele passe a fazer parte dessa “caixinha”?
Para agrupar ativos em classes, talvez o único critério realmente representativo seja a correlação, que, pelo menos nos exemplos brasileiros, invalida a classificação “quantitativo” atual.
Argumento 3
“Isso tudo pode funcionar por anos, por décadas, até que ou exceto quando a não tão invisível mão do mercado desce, te estapeia e diz: ‘Isso é o que funcionou no passado, mas não vai funcionar agora, não, não mais'” – disse o gestor quant Ted Aronson para o WSJ depois de fechar seu fundo por desempenho ruim.
Tem ainda o head da estratégia quant da Bernstein que escreveu o artigo “Por que eu não sou mais um quant”. Nele, argumenta que o pecado original dos gestores quantitativos como ele é minerar os dados históricos em busca de ideias do que funciona no longo prazo, encobrindo o fato de que os regimes de mercado vêm e vão.”
Aqui temos mais uma discussão que é pertinente, não só aos quantitativos, mas a todos os gestores ativos da indústria.
Qualquer gestor ativo busca nos dados informações relevantes para prever possíveis movimentações no mercado. Em outras palavras, eles estão tentando explorar uma ineficiência de mercado. Isso serve tanto para gestores que olham dados econômicos para criar um cenário mais provável para o futuro (se todos já acreditassem no cenário, isso já estaria no preço e não haveria uma oportunidade para ganhar dinheiro aí), quanto para um gestor que fez o valuation de determinada empresa e descobriu que ela está barata (só está barata porque o mercado ainda não percebeu). Em resumo, qualquer estratégia para se ganhar dinheiro no mercado consiste em explorar uma ineficiência.
A constatação do exemplo da autora é justamente de que as ineficiências não são permanentes. Ora, seria inocência demais da parte de qualquer gestor acreditar que ninguém encontraria uma distorção de preço que ele mesmo encontrou em algum momento. Todas as ineficiências vão sumir em algum momento. É uma questão de tempo.
Por essa razão, todas as estratégias para se gerar alpha no mercado vão parar de funcionar. Algumas podem demorar anos, outras alguns dias, mas todas vão parar em algum momento.
Recentemente fizemos um estudo que evidencia uma taxa de mortalidade dos fundos multimercado (de todos os tipos) de 59% nos últimos 10 anos. Mais da metade dos maiores e melhores fundos multimercado no início de 2010 estão mortos hoje. Isso mostra que várias das estratégias usadas 10 anos atrás deixaram de funcionar em algum momento dessa última década. E isso é natural do mercado.
Por essa razão, mais importante do que as estratégias que estão dentro dos fundos hoje, é a capacidade da gestora de identificar novas ineficiências no mercado, começar a explorá-las dentro do fundo e descartar as que vão deixando de funcionar. Isso é a única habilidade que realmente faz com que os fundos tenham resultados consistentes ao longo dos anos.
E é exatamente com isso em mente que criamos a estrutura da Giant. Somos um laboratório de pesquisa que direciona toda a energia e investimentos para a busca de novas ineficiências. Isso é o que estamos fazendo há quase uma década, para que possamos continuar a entregar retornos consistentes na próxima década. E isso é o que todos os gestores que querem se manter vivos daqui para frente estão fazendo também.
Conclusão
Mudanças não são o nosso forte como seres humanos. Porém, fechar os olhos e se negar a acreditar que o mundo mudou não resolverá o problema. Assim como continuar a selecionar as mesmas estratégias que fazem a mesma coisa há anos também não é garantia nenhuma de sucesso.
Como já dissemos antes, a verdade é que a transformação através da tecnologia e ciência não deixou e nem deixará de lado o mercado de investimentos. Como os outros mercados, a tecnologia vai, cada vez mais, dominar o mercado e aqueles que tiverem melhor aptidão para lidar com elas conseguirão resultados melhores que aqueles que se recusam a acreditar em mudanças.
Contra fatos não há argumentos: É apenas por causa da junção da experiência das pessoas que trabalham na Giant com tecnologia que nossos fundos puderam entregar, ano após ano, resultado muito acima da indústria (IHFA ou IFMM como exemplos).
Por fim, deixamos aqui nosso convite para qualquer pessoa, inclusive a Luciana, visitar nosso escritório, para conhecer a nossa estrutura, nossa equipe de gestores, programadores e profissionais das mais diversas áreas que, impulsionados pela tecnologia, criam estratégias de investimento assim como fazem tantos outros gestores de sucesso.